Um novo estudo publicado agora (19) pela Tax Justice Network afirma que o impacto de um imposto sobre os super-ricos pode chegar a 2,1 trilhões por ano. Esse valor é o dobro da quantia necessária anualmente para o financiamento climático externo dos países em desenvolvimento, esperado para ser um dos principais temas nas negociações da COP29 deste ano.
Somente o Brasil arrecadaria quase R$ 260 bilhões por ano (US$ 47,5 bilhões).
O estudo é baseado no modelo do imposto sobre a riqueza vigente na Espanha, com uma taxa de 1,7% a 3,5% aplicado somente aos 0,5% das famílias mais ricas. Apesar de inspirado no modelo espanhol, a modelagem estende o imposto a todas as classes dos chamados super-ricos, isto é, os bilionários que compõem a camada mais restrita e endinheirada da sociedade. Isso elimina algumas isenções previstas na lei espanhola, que reduzem seu impacto, segundo os autores.
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A pesquisa descobriu que, em média, cada país poderia arrecadar o equivalente a 7% do seu orçamento com esse modelo de tributação. Em países com tributação mais injusta, como é o caso do Brasil, o impulso orçamentário da medida seria de 16,1%.
O estudo documenta que reformas tributárias anteriores voltadas para os super-ricos não resultaram na mudança dos super-ricos para outros países, apesar das manchetes da mídia alegando o contrário. Apenas 0,01% das famílias mais ricas se mudaram após a implementação de reformas tributárias sobre a riqueza na Noruega, Suécia e Dinamarca. Um estudo no Reino Unido prevê que as reformas no status de não domiciliado resultariam em uma taxa de migração de apenas 0,02% a, no máximo, 3,2%.
A pesquisa também descobriu que os privilégios fiscais da extrema de riqueza estão contribuindo para o mal funcionamento das economias. O tratamento desigual da riqueza (menores impostos sobre a riqueza acumulada, como dividendos, aluguéis e ganhos de capital, ao mesmo tempo em que os impostos são mais altos sobre a riqueza gerada, como os salários) está tornando as economias mais instáveis porque condiciona muitas pessoas a gastarem mais do que ganham.
"Há essa ideia de que os bilionários ganham riqueza como todo mundo, apenas são melhores nisso. Isso é falso. É impossível ganhar um bilhão de dólares. O trabalhador médio dos EUA teria que trabalhar por um período 13 vezes mais longo do que a existência humana para ganhar tanto quanto o homem mais rico do mundo possui hoje!", explica Mark Bou Mansour, chefe de comunicações da Tax Justice Network.
Mansour afirma que as regras fiscais vigentes na maioria dos países facilitam mais a acumulação de riqueza para os super-ricos do que para o resto da população. "Isso permitiu que os super-ricos acumulassem riqueza extrema a ponto de tornar nossas economias inseguras e de tornar a vida laboral quase não compensadora", diz o pesquisador.
"Salários não fazem bilionários, dividendos e aluguéis sim. Mas tributamos dividendos e aluguéis muito menos do que tributamos salários, e isso está desestabilizando o modelo em que nossas economias se baseiam", completa Mansour.
A recente proposta do G20 liderada pelo Brasil para um imposto mínimo de 2% sobre a riqueza dos bilionários foi bem recebida tanto por formuladores de políticas quanto por analistas. E pesquisas recentes mostram um amplo apoio público para impostos sobre a riqueza dos super-ricos em vários países. Ao mesmo tempo, quase três quartos dos milionários entrevistados nos países do G20 apoiam impostos mais altos sobre a riqueza e mais da metade deles acredita que a extrema riqueza é uma "ameaça à democracia".
Projetada para replicar a taxa mínima global de imposto corporativo, a proposta do G20 exigirá que a maioria dos países aprove um acordo internacional específico. Enquanto isso, os países podem proceder localmente e seguir o exemplo da lei de imposto sobre a riqueza da Espanha hoje.
"A grande maioria dos países está atualmente trabalhando no que pode ser a maior reviravolta na história das regras fiscais globais, para acabar com o flagelo do abuso fiscal global por corporações multinacionais e pelos super-ricos. Mas uma minoria de países ricos ainda parece estar hesitando em apoiar uma convenção robusta sobre impostos — apesar de ser a melhor oportunidade que já tivemos e de ser uma demanda urgente de seus próprios cidadãos", afirma Alison Schultz, pesquisadora da Tax Justice Network e uma das autoras do relatório.
"Alguns desses mesmos países estão bloqueando o progresso real na COP29 sobre o clima — impedindo o mundo de recuperar trilhões em impostos de paraísos fiscais em uma reunião, e depois alegando na outra reunião que não há dinheiro para a crise climática. Isso precisa mudar agora — o clima não pode esperar, e nem o povo do mundo," defende Schultz.
Entenda os privilégios fiscais
Os enormes valores a serem arrecadados com o modesto imposto sobre a riqueza são possíveis devido aos níveis extremos de riqueza acumulados pelos mais ricos. O estudo revela que, em média, em cada país, apenas 3% de toda a riqueza é possuída por metade da população, enquanto os 0,5% mais ricos detêm um quarto (25,7%) da riqueza.
Essa extrema riqueza, documenta o relatório, está tornando as economias inseguras e está diretamente ligada a uma menor produtividade econômica; e ao fato de que as famílias não-ricas têm que gastar mais do que ganham, com piores resultados sociais, menor nível educacional e menor expectativa de vida.
A Tax Justice Network argumenta que a raiz do problema é o tratamento desigual da riqueza acumulada e da riqueza gerada. A riqueza acumulada geralmente cresce mais rápido do que a riqueza gerada. Atualmente, apenas metade da riqueza criada globalmente a cada ano vai para pessoas que ganham a vida trabalhando — o restante é acumulado na forma de aluguéis, juros, dividendos e ganhos de capital.
Embora os super-ricos possam trabalhar e ter empregos, virtualmente toda a sua riqueza vem da posse de impérios empresariais e imobiliários, e não do trabalho nesses impérios. Qualquer salário que possam receber é apenas uma gota no oceano de sua riqueza. Três dos cinco homens mais ricos na lista de bilionários da Forbes 2024 recebem salários de $1: Elon Musk, Mark Zuckerberg e Larry Ellison. De acordo com um estudo de 2011, o "CEO de $1" abdica de $610 mil em salário, mas ganha $2 milhões em outras compensações baseadas na riqueza acumulada.
Crucialmente, a acumulação extrema de riqueza não apenas cria desequilíbrios extremos com consequências prejudiciais, mas também torna essa riqueza acumulada menos economicamente produtiva — por exemplo, ao desviar desproporcionalmente mais riqueza para derivativos especulativos em vez de bens e serviços na economia "real". Mansour atribui isso a "por que o mundo pode não parecer mais rico hoje, apesar de haver mais riqueza do que nunca."
"A riqueza contribui muito menos para a economia quando está enterrada como um faraó, tornando as economias mais pobres do que a soma de suas partes", explica o porta-voz da Tax Justice Network.
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