Agência FAPESP* –Luciana Constantino | Agência FAPESP – Com a elevação constante das temperaturas e o aumento da frequência de eventos climáticos extremos, especialmente chuvas, os municípios brasileiros precisam desenvolver planos de contingência, com monitoramento eficiente e rápida resposta. Além de um eficaz sistema de alerta local, é necessário que a população entenda a real ameaça e saiba o que fazer ao receber o aviso de desastre iminente emitido pelos órgãos responsáveis. O planejamento urbano, com infraestruturas adequadas, também desempenha importante papel para evitar perdas econômicas e de vidas.
Foto: Prefeitura de São Sebastião
Essas recomendações estão entre as conclusões de uma pesquisa publicada na revista científica Natural Hazards. É resultado da análise detalhada dos deslizamentos de terra registrados na cidade de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, entre 18 e 19 de fevereiro de 2023. Para os cientistas, esse círculo de atuação não funcionou adequadamente no município, mesmo após os avisos emitidos dias antes pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Os deslizamentos ocorreram com as chuvas de volume sem precedentes na região – foram 683 milímetros (mm) em menos de 15 horas, enquanto a média mensal é de 300 mm. Pelo menos 65 pessoas morreram e centenas ficaram desalojadas, além das perdas de infraestrutura e danos materiais. Estradas foram arrastadas ou bloqueadas, causando graves dificuldades de transporte. À época, o governo decretou estado de emergência no município.
“Não havia em São Sebastião a real percepção de que o alerta era de um desastre que estava por vir. As áreas mais afetadas foram as de risco. Com os extremos de chuva cada vez mais frequentes e a concentração habitacional em áreas vulneráveis, não reduziremos as perdas se ações de prevenção não forem incorporadas em todas as etapas da cadeia”, avalia o climatologista Jose Antonio Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.
Autor correspondente do artigo e segundo cientista mais citado no Brasil em 2023 (ranking da plataforma Research.com), Marengo tem o apoio da FAPESP por meio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, cujo objetivo é implementar e desenvolver uma rede global de pesquisa interdisciplinar sobre sustentabilidade e impactos das alterações globais. Reúne mais de 30 grupos nacionais e internacionais, envolvendo 200 pesquisadores e especialistas.
O estudo vem na sequência de outros dois artigos publicados no ano passado (nas revistas Weather and Climate Extremes e Natural Hazards and Earth System Sciences) com a participação do climatologista para tratar das inundações e deslizamentos em Recife, entre 25 e 28 de maio de 2022, e em Petrópolis (RJ), em 15 de fevereiro do mesmo ano. Na capital de Pernambuco, mais de 130 pessoas morreram após uma chuva de 551 mm no período (140 mm superior à média de maio). Já no município fluminense houve um recorde, com mais de 230 óbitos.
Nos dois casos, as conclusões dos pesquisadores foram semelhantes: além do grande volume de chuva concentrado em poucas horas, houve uma combinação de crescimento urbano não planejado em encostas com a remoção de vegetação, além de falhas nos sistemas de alerta para a população e de evacuação das áreas de risco.
“Assim como aconteceu com os estudos de Recife e de Petrópolis, a ideia nesse paper não foi ter apenas uma análise meteorológica, mas sim envolver conceitos que pudessem ser aplicados na prática. É preciso criar a percepção de que a meteorologia pode avisar sobre desastres e que a resposta deve ser multissetorial”, diz Marengo à Agência FAPESP.
E completa: “A governança de desastres ambientais prevê que o Cemaden emita alertas para as Defesas Civil de Estados e municípios. Juntamente com o Corpo de Bombeiros, elas têm de disparar o aviso para os moradores locais e evacuá-los. No caso de São Sebastião, o alerta para a Defesa Civil foi emitido e houve discussão de cenários dias antes. O problema é que a cadeia quebrou no elo mais fraco, a população vulnerável”.
Procurada por meio da assessoria de comunicação, a Defesa Civil de São Sebastião não se manifestou.
Perdas
Em 32 anos (entre 1991 e 2022, último ano com dados disponíveis), o Brasil registrou mais de 3.900 óbitos provocados por ocorrências de alagamentos, enxurradas, inundações, chuvas intensas, tornados, vendavais, ciclones, granizo e movimento de massa. Segundo o Atlas Digital de Desastres no Brasil, plataforma da Defesa Civil Nacional, cerca de 16,71 milhões de pessoas foram afetadas por esses tipos de desastre no período, com danos totais chegando a R$ 27,12 bilhões.
Em 2023, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) informou ter destinado R$ 1,4 bilhão para ações de proteção e defesa civil em 24 Estados, sendo R$ 397 milhões para socorro e assistência à população e R$ 310 milhões para recuperação de infraestruturas e moradias danificadas ou destruídas.
De acordo com estimativas do Cemaden e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população exposta a riscos de deslizamentos, inundações e enxurradas chega a 8,27 milhões no país, dos quais 4,26 milhões estão na região Sudeste. Em 872 municípios avaliados, 2,47 milhões de domicílios estavam em áreas de risco (com base no Censo 2010). A Base Territorial Estatística de Áreas de Risco (Bater) está sendo atualizada a partir dos resultados do Censo de 2022, mas os novos dados não foram divulgados.
Resultados
No estudo, os cientistas apontaram que houve uma combinação de chuvas intensas atingindo áreas de risco densamente povoadas em São Sebastião com residências construídas em terrenos inclinados e íngremes. Já a condição meteorológica foi caracterizada por uma frente fria que cruzou o Atlântico Sul subtropical, onde a temperatura estava entre 1°C e 2°C mais quente do que o normal. Combinada com os relevos da Serra do Mar, a frente fria permaneceu estacionada sobre as áreas costeiras ao norte do Estado, causando um evento extremo de precipitação intensa.
“Embora alertas tenham sido emitidos com antecedência, a resposta entre as comunidades foi mínima, indicando a ineficácia do atual sistema de alerta precoce em vigor. Isso demanda políticas públicas aprimoradas, comunicação e a possível adoção de sistemas de alerta precoce para reduzir o risco em áreas vulneráveis”, escreve o grupo no artigo.
Como sugestão, os pesquisadores apontam que, além de locais seguros e rotas de fuga – fundamentais para salvar vidas durante esses eventos –, é necessário um sistema de alerta “verdadeiramente eficaz”, que identifique o risco iminente, emita alertas em tempo hábil e garanta que as populações e setores em risco recebam o aviso, compreendam e ajam sobre ele.
O artigo Heavy rains and hydrogeological disasters on February 18th–19th, 2023, in the city of São Sebastião, São Paulo, Brazil: from meteorological causes to early warnings pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11069-024-06558-5.
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