Por Joel Elias
O aumento devastador da degradação florestal em Rondônia acende um alerta não apenas para o futuro ambiental do estado, mas também para a Amazônia como um todo e o planeta. Em setembro de 2024, o estado registrou um aumento assustador de 1.907 quilômetros quadrados de área degradada, conforme dados divulgados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Esse número representa um salto de 38 vezes em relação ao mesmo mês do ano anterior. O cenário é ainda mais alarmante porque, enquanto Rondônia vê sua vegetação desaparecer de forma vertiginosa, o resto da Amazônia também enfrenta uma destruição recorde de 20.238 quilômetros quadrados de floresta, o maior índice registrado em 15 anos.
Foto: Gov/RO
O que esses números indicam é muito mais do que uma crise local. Quando as florestas de Rondônia e de outros estados amazônicos desaparecem a uma taxa sem precedentes, estamos destruindo um sistema que atua como regulador climático global, absorvendo bilhões de toneladas de dióxido de carbono e estabilizando os ciclos de chuvas, fundamentais para a agricultura no Brasil e até mesmo em países vizinhos. Se esse ritmo de destruição continuar, podemos antecipar uma série de consequências devastadoras: seca prolongada em regiões que dependem das chuvas amazônicas, perda de biodiversidade e o que muitos cientistas já chamam de "ponto de inflexão" para a Amazônia, no qual a floresta começa a se transformar em uma savana, alterando drasticamente sua capacidade de sustentar a vida e manter o equilíbrio climático.
A alta degradativa em Rondônia deve ser interpretada não apenas como um reflexo das pressões locais, como queimadas e extração madeireira intensificada, mas como um reflexo do modelo econômico atual que, ao favorecer a exploração indiscriminada de recursos naturais, falha em promover alternativas sustentáveis e rentáveis. No Estado, o período seco de setembro serve como um terreno fértil para que as queimadas se espalhem, muitas vezes fugindo ao controle e destruindo áreas maiores do que inicialmente planejadas. A exploração madeireira, impulsionada pela demanda por terras para pastagem e cultivo agrícola, agrava a situação, dando margem a práticas que se distanciam do manejo sustentável. Rondônia vive agora o quarto mês consecutivo de alta nos índices de degradação, o que aponta para uma tendência contínua de destruição, intensificada pelo contexto climático e econômico atual.
Esse cenário, alarmante por si só, é agravado quando se observa o impacto direto na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos da floresta. Estima-se que a área degradada em Rondônia em setembro de 2024, equivalente a mais de 190 mil campos de futebol, representa não apenas um número, mas uma perda significativa de espécies de plantas e animais, muitas das quais ainda não foram completamente estudadas pela ciência. Quando se elimina uma grande faixa de vegetação, perdem-se também os serviços ambientais que ela presta, como a retenção de água, a proteção contra erosão e a própria absorção de carbono, agravando os efeitos do aquecimento global.
É preciso refletir sobre o impacto social e econômico a longo prazo, pois a destruição dessas áreas afeta tanto a biodiversidade e o equilíbrio climático, como também coloca em risco as comunidades tradicionais e indígenas que dependem diretamente da floresta para sua subsistência e identidade cultural. Em Rondônia, essas populações têm sido frequentemente marginalizadas na discussão sobre o desenvolvimento econômico da região. A falta de políticas de conservação robustas e a dificuldade de monitoramento efetivo evidenciam uma lacuna preocupante na governança ambiental, que permite o avanço da degradação sem uma resposta eficaz das autoridades.
Para conter o avanço da degradação, é preciso que o Brasil adote uma postura mais assertiva e ambiciosa. Em primeiro lugar, a fiscalização e monitoramento precisam ser fortalecidos, com tecnologias de ponta e maior presença de órgãos de controle. O uso de satélites, drones e outras ferramentas tecnológicas pode aprimorar a capacidade de identificar e combater desmatamentos ilegais de forma mais ágil e precisa, reduzindo o impacto ambiental e impedindo o avanço da degradação antes que ela alcance níveis irreversíveis. Além disso, é fundamental repensar o modelo econômico e incentivar práticas de manejo sustentável e projetos de desenvolvimento que ofereçam alternativas ao desmatamento, como o fortalecimento do extrativismo e a valorização de produtos da floresta, que podem gerar renda sem destruir a vegetação.
Se não houver uma mudança significativa no enfrentamento da degradação, as projeções para a Amazônia são sombrias. Estudos apontam que a floresta pode atingir um ponto em que sua capacidade de regeneração será insuficiente para manter sua biodiversidade e serviços ambientais. Isso representaria um retrocesso para o Brasil no cumprimento de compromissos internacionais de redução de emissões e conservação ambiental, além de uma ameaça direta ao próprio clima do país, já que a floresta amazônica é responsável por grande parte das chuvas que irrigam as áreas de produção agrícola no Centro-Oeste e Sudeste.
E, infelizmente, o aumento drástico da degradação em Rondônia não é um problema isolado. É um sintoma de um sistema que precisa de uma reestruturação urgente para promover um desenvolvimento sustentável. A destruição das florestas pode até oferecer ganhos econômicos de curto prazo, mas esses benefícios são ofuscados pelas perdas ambientais, sociais e econômicas a longo prazo. Rondônia e toda a Amazônia precisam ser protegidas não apenas para o bem das gerações atuais, mas como um compromisso ético com o futuro do planeta. Se o Brasil deseja preservar sua maior riqueza natural e desempenhar um papel relevante na luta global contra as mudanças climáticas, é imperativo que se implemente um novo modelo de desenvolvimento que valorize e preserve a Amazônia como o tesouro ecológico insubstituível que ela é.
* Joel Elias é jornalista atuante na Amazônia.
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