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Foto do escritorSolano Ferreira

Por uma mineração que respeite nossa ancestralidade

Por Joel Elias*


A Agência Nacional de Mineração (ANM) encontra-se diante de um divisor de águas histórico após a recente intervenção do Ministério Público Federal, que exige a implementação de normas mais rígidas para diferenciar atividades de pesquisa mineral das operações comerciais. Esta distinção, aparentemente técnica, representa na verdade uma revolução necessária na gestão dos recursos minerais brasileiros e na proteção dos direitos fundamentais dos povos originários e comunidades tradicionais, que há séculos mantêm uma relação sagrada e sustentável com seus territórios ancestrais.



A atual fragilidade normativa tem permitido uma prática predatória que se esconde sob o véu da legalidade: a utilização de autorizações de pesquisa como porta de entrada para atividades comerciais não licenciadas. Este mecanismo perverso burla o sistema regulatório ao mesmo tempo que representa uma afronta aos direitos constitucionais dos povos tradicionais, ignorando décadas de jurisprudência internacional e acordos dos quais o Brasil é signatário. O resultado dessa distorção tem sido catastrófico: territórios invadidos, recursos hídricos contaminados, biodiversidade comprometida e, principalmente, culturas ancestrais ameaçadas de desaparecimento.


A análise econômica contemporânea demonstra que a preservação dos territórios tradicionais e seus modos de vida representa um ativo estratégico para o desenvolvimento sustentável do país. Estudos recentes da ONU e do Banco Mundial evidenciam que áreas sob gestão tradicional apresentam índices superiores de conservação ambiental e maior resiliência às mudanças climáticas. A falsa dicotomia entre desenvolvimento mineral e preservação cultural precisa ser superada por um modelo de gestão que reconheça a complementaridade entre essas dimensões.


O prazo de 90 dias estabelecido pelo MPF para a implementação das novas normas reflete uma urgência há muito ignorada. As diretrizes propostas — incluindo a definição técnica de equipamentos, limites quantitativos para pesquisa e critérios de identificação de embarcações — constituem um primeiro passo fundamental. Contudo, é essencial que esse marco regulatório seja construído com a participação efetiva das comunidades afetadas, incorporando seus conhecimentos tradicionais e perspectivas únicas sobre a gestão territorial.


A comunidade internacional observa atentamente como o Brasil lidará com este desafio. Nossa posição como potência mineral e ambiental exige uma resposta à altura: um novo paradigma regulatório que harmonize o desenvolvimento econômico com a preservação cultural e ambiental. A ANM tem agora a oportunidade de estabelecer um precedente global, demonstrando que é possível construir um modelo minerário que respeite os direitos territoriais e culturais dos povos tradicionais, garantindo simultaneamente a segurança jurídica necessária para investimentos responsáveis no setor.


O momento exige uma transformação profunda na forma como concebemos a relação entre mineração e direitos tradicionais. As novas normas não podem ser apenas um conjunto de regras técnicas, mas devem refletir um novo pacto social que reconheça a indissociabilidade entre preservação cultural, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico. O futuro da mineração brasileira depende dessa capacidade de reinvenção, e o primeiro passo é garantir que a distinção entre pesquisa e lavra seja clara, efetiva e respeitosa com os direitos dos povos tradicionais.


* Joel Elias é jornalista atuante na Amazônia.

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