Astrobióloga Rebeca Gonçalves explica como a tecnologia espacial pode beneficiar diretamente o país, aumentando a produtividade agrícola em pelo menos 15%
Nas últimas décadas, a pesquisa espacial tem gerado avanços tecnológicos que vão muito além da exploração de outros planetas e que podem, inclusive, ser utilizados no nosso dia a dia. O GPS, a internet e a telefonia; luzes LED; técnicas de desidratação de alimentos e filtros de purificação de água; mouses de computador e até as câmeras de celulares foram desenvolvidos ou se beneficiaram de tecnologias inicialmente pensadas para o setor espacial.
Até em áreas complexas como a agricultura - que dependem de uma série de fatores que, até onde sabemos, só estão disponíveis originalmente na Terra - já tivemos benefícios provenientes do setor espacial: a agricultura indoor e fazendas verticais, por exemplo – que reduzem em até 80% o consumo de água, produzem alimentos o ano inteiro independente do clima (ou estação) e fazem uma integração urbana economizando no transporte dos alimentos.
Ou seja, é especialmente na agricultura que as descobertas feitas em ambientes extremos, como Marte e a Lua, têm potencial de transformar a vida na Terra. E a economia no transporte de alimentos é especialmente relevante, já que o deslocamento na indústria alimentícia contribui para 6% da produção global de CO2 (2% a mais do que toda a indústria de transporte comercial aéreo).
Além disso, uma tecnologia que provê a produção de alimentos localmente - seja em bairros, vilas, ou condomínios fechados - pode não só reduzir instantaneamente em 6% nossa pegada de CO2, como também contribuir para que mais alimentos sejam produzidos utilizando menos recursos e que produtos mais nutritivos cheguem em comunidades locais o ano inteiro, independente de secas ou enchentes, calor extremo ou geadas.
Outro exemplo do desenvolvimento da agricultura espacial, que poderia ser diretamente aplicada em benefício de terras agrícolas no Brasil, seria toda a tecnologia ligada à regeneração de solo lunar e marciano. Atualmente, em torno de 28 milhões de hectares no Brasil (cerca de 15% do solo brasileiro) sofrem de degradação de solo, ou seja, possuem baixo teor nutritivo para cultivo de plantas, tornando-os inférteis e impróprios para a agricultura.
O solo lunar e marciano é um solo com propriedades parecidas a solos degradados aqui da Terra. "Toda tecnologia sendo desenvolvida para regeneração desses solos extraterrestres extremamente inférteis podem ser diretamente aplicadas para a regeneração de tais solos degradados no Brasil, aumentando a produtividade de terras agrícolas brasileiras em ao menos 15%, produzindo mais alimentos, aumentando nosso GDP, a segurança financeira de agricultores familiares, e fundamentalmente a segurança alimentar dos brasileiros", afirma Gonçalves.
É nesse mesmo cenário que Rebeca atua com sua pesquisa em agricultura espacial. A atrobióloga publicou o primeiro estudo no mundo utilizando uma técnica de policultura, que, quando aplicada ao ambiente espacial, resulta na produção do dobro de alimentos a uma das espécies estudadas.
"O que mais chama atenção é que ao ser transferida para um ambiente terreno, utilizando um solo arenoso que simulava solos pobres da Terra, os resultados foram ainda melhores", revela. É assim que tecnologias desenvolvidas para o setor espacial podem ser diretamente e quase imediatamente aplicadas em benefício da Terra.
Com a crescente demanda por soluções sustentáveis e a urgência em enfrentar as mudanças climáticas, o trabalho de Rebeca Gonçalves mostra que o espaço é, sim, uma fronteira importante de desenvolvimento para o nosso planeta. "Se conseguirmos desenvolver tecnologias para cultivar em Marte, seremos capazes de melhorar a agricultura em qualquer lugar da Terra", conclui a especialista.
Sobre Rebeca Gonçalves
Rebeca Gonçalves é uma astrobióloga brasileira pioneira, mestre em agricultura espacial. Única brasileira a publicar um artigo científico sobre o tema e uma das astrobiólogas a contribuir com o avanço científico na área de Agricultura Lunar do Programa Artemis, da NASA. Rebeca é também a primeira mulher no mundo a publicar sobre a técnica de policultura espacial. Atualmente, Rebeca continua sua jornada de descobertas como pesquisadora em agricultura espacial na Agência Espacial Brasileira (AEB).
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