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MILITARIZAÇÃO ESCOLAR: Quando a Educação se rende à lógica do adestramento

  • Foto do escritor: Solano Ferreira
    Solano Ferreira
  • 26 de mar.
  • 3 min de leitura

Por Joel Elias

 

A história da educação brasileira revela-se como um território permanente de disputas ideológicas, onde diferentes projetos de sociedade se confrontam silenciosamente nos espaços formativos. No epicentro dessas tensões, emerge a controvertida proposta de militarização das escolas públicas, um fenômeno que transcende a simples discussão metodológica e se configura como uma estratégia deliberada de controle social, reprodução de desigualdades e neutralização do pensamento crítico. Compreender essa dinâmica exige um mergulho profundo nas entranhas de um modelo educacional que historicamente tem servido mais aos interesses das elites econômicas do que às demandas reais da classe trabalhadora, transformando instituições de ensino em verdadeiras máquinas de reprodução de hierarquias sociais cristalizadas.

 

O processo de militarização escolar não pode ser compreendido como um evento isolado, mas como parte de uma complexa arquitetura de poder que remonta ao período colonial brasileiro e encontra seus momentos mais emblemáticos durante regimes autoritários, especialmente no período ditatorial de 1964-1985. Nesse contexto, a educação foi brutalmente reduzida a um instrumento de adestramento técnico, onde o objetivo prioritário consistia em formar mão de obra dócil e acrítica para um mercado de trabalho cada vez mais excludente e hierarquizado. A pedagogia então dominante representava uma verdadeira “linha de montagem” educacional, cujo objetivo central era “ensinar a apertar parafusos” — metáfora precisa para um modelo que transformava estudantes em engrenagens passivas de um sistema de produção capitalista fundamentado na exploração e na desigualdade estrutural.

 

A proposta contemporânea de escolas militarizadas representa, portanto, a atualização de um projeto histórico de dominação, revestido agora de um discurso pseudomoderno de disciplina e ordem. Seus defensores apresentam um modelo educacional que privilegia a submissão sobre a reflexão, a obediência acrítica sobre o questionamento sistemático, condensando práticas que são essencialmente incompatíveis com os princípios de uma educação verdadeiramente emancipatória. A militarização escolar opera como um dispositivo de poder disciplinar que busca não apenas controlar corpos e mentes, mas sobretudo naturalizar determinadas estruturas de dominação, apresentando-as como inevitáveis e até mesmo desejáveis.

 

O que está em disputa, portanto, não são apenas metodologias pedagógicas, mas projetos civilizatórios radicalmente distintos. De um lado, a concepção de escola como espaço de reprodução de desigualdades, de outro, a compreensão da educação como terreno de potência transformadora, capaz de formar sujeitos críticos, autônomos e comprometidos com a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. A militarização representa, nesse sentido, um retrocesso epistêmico e político, uma tentativa de capturar o ambiente escolar como território de doutrinação, silenciando vozes dissidentes e interditando a possibilidade de pensamento divergente.

 

As consequências dessa proposta são profundamente perversas: ao importar a lógica disciplinar dos quartéis para dentro das instituições educacionais, produz-se um ambiente de supressão da criatividade, de negação da diversidade e de mortificação dos processos dialógicos fundamentais à construção do conhecimento. A escola deixa de ser um espaço de encontro, de produção coletiva de saberes, para se transformar em uma arena de adestramento, onde a diversidade é vista como ameaça e o consenso imposto se sobrepõe ao debate genuíno. Tal modelo pedagógico não forma cidadãos, produz súditos; não estimula o pensamento, reproduz protocolos; não liberta, aprisiona.

 

A resistência a esse projeto, portanto, configura-se como um imperativo ético e político. Defender uma educação emancipatória significa compreender que a verdadeira revolução acontece nos espaços de formação, onde o conhecimento científico, artístico e filosófico é socializado não como elemento decorativo, mas como ferramenta potente de compreensão e transformação da realidade. Uma escola comprometida com a justiça social precisa ser, antes de tudo, um laboratório de pensamento crítico, um território onde a diversidade seja reconhecida, onde o dissenso seja compreendido como motor da produção do conhecimento, onde a alteridade seja respeitada e onde cada estudante seja reconhecido em sua singularidade e potência transformadora.

Foto: Secom/RO
Foto: Secom/RO

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