“Eu conheci o melhor peixe do mundo”, contou David, de 6 anos. “Eu não sabia que o peixe-lápis existia”, disse Benjamin, de 7 anos. “Eu gostei muito do cará, a gente pesca ele”, afirmou Carlos, de 7 anos. Nas cartas de um jogo infantil, crianças de territórios indígenas e de áreas urbanas e rurais da região Oeste do Pará, criam e fortalecem memórias com o lugar onde vivem por meio da biodiversidade local. O “Jogo da memória – peixes de igarapés da região de Santarém” traz 20 espécies coletadas e identificadas por pesquisadores que estudam a fauna aquática da Amazônia e foi entregue em 14 escolas da região.
Foto: Ana Laura Lima
“O propósito deste material é divulgar os resultados da nossa pesquisa de forma divertida e criativa, chamando atenção não só de crianças, mas também de adultos, para a grande diversidade de peixes que temos nos igarapés da Amazônia”, declara Débora Carvalho, pesquisadora da Universidade de Lancaster (Reino Unido). Igarapés são cursos d’água ou canais estreitos na região amazônica que nascem na floresta e deságuam nos rios, por onde navegam os moradores das áreas florestais e ribeirinhas.
Além de fotos dos peixes, o jogo apresenta o nome científico e popular das espécies, e também curiosidades sobre os animais, como o hábito alimentar, o comportamento e em qual local vivem nos igarapés. O material lúdico inclui ainda banners e cartelas plastificadas com informações sobre as 79 espécies coletadas e identificadas nos igarapés, e enfatiza as diferenças entre um igarapé degradado e um preservado. “Isso mostra que espécies podem desparecer, caso os igarapés não sejam cuidados”, destaca a pesquisadora.
Biodiversidade aquática
O Jogo da Memória – peixes de igarapés da região de Santarém” e os outros materiais lúdicos são produtos de um projeto que estuda a biodiversidade aquática da Amazônia desde 2010. O objetivo do trabalho, segundo a pesquisadora Cecilia Leal, da Universidade de Lancaster (Reino Unido) é conhecer melhor a fauna de peixes de igarapés sob influência de diferentes usos da terra em regiões do estado do Pará.
Os pesquisadores coletaram amostras em 99 igarapés das regiões Oeste e Nordeste do Pará nos anos de 2010/2011 e 2023/2024. “Os resultados sobre perda ou substituição de espécies ao longo desse tempo estão em análise e serão publicados em breve”, anunciou a cientista.
O trabalho faz parte da Rede Amazônia Sustentável (RAS), rede internacional multidisciplinar de pesquisa coordenada pela Embrapa, e que envolve mais de 30 instituições no Brasil e exterior, entre elas as Universidades de Lancaster, Oxford e Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.
“Na RAS, realizamos estudos de longo prazo sobre mudanças na biodiversidade e os resultados são usados para ajudar a desenhar soluções para aumentar a conservação ambiental desses ambientes tão importantes, especialmente por meio da orientação a políticas públicas”, explica a pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental.
Brincar, aprender e cuidar
Os materiais foram entregues em 14 escolas da região de Santarém, entre elas duas escolas localizadas em território indígena do povo Munduruku, escolas da região da Floresta Nacional do Tapajós e em escolas de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos. “Parte do material também foi distribuído para as bases do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), bases de projetos que atuam na região e para moradores que colaboraram com o trabalho. No total foram distribuídos aproximadamente 90 banners, 90 cartelas e 180 jogos da memória”, relata Débora.
A professora Eldianne Poryng Etê Santos de Sousa é indígena do povo Munduruku e leciona na Escola Indígena Munduruku ISU IWIWI’AP (Nova Esperança), localizada na Terra Indígena (TI) Bragança/Marituba, município de Belterra (PA). Ela trabalha com crianças do 1º ao 3º ano do ensino fundamental e considera que o material contribui muito para que crianças e adultos conheçam melhor a região onde vivem. “Nem eu imaginava que tínhamos tantas espécies de peixes nesses igarapés”, disse a professora. A TI Bragança/Marituba foi dos pontos de coleta do trabalho dos pesquisadores.
“Os alunos amaram o jogo! Tem muitos peixes que eles conhecem por nomes diferentes e tem outros que nunca tinham visto”, relatou Eldianne. “Houve até aluno que disse que quando crescer vai querer estudar sobre os peixes”, contou.
A diversidade de espécies de peixes foi novidade para a professora Elciene Farias dos Santos, que também é do povo Munduruku e atua na escola ISU IWIWI’AP (Nova Esperança). Ela ensina uma disciplina chamada “Saberes Munduruku” para alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental. “É uma disciplina nova na escola e foi surpreendente conhecer tantos peixes que vivem nos igarapés da região”, afirmou.
Já para a professora Jane Correa Santos, da mesma escola, com o jogo as crianças aprendem questões importantes brincando. “As crianças precisam conhecer as espécies e preservar os ambientes em que eles vivem para garantir a manutenção da biodiversidade local”, afirmou.
O jogo reúne momentos de diversão e de aprendizado, segundo a professora Mônica Lobato, que atua nas escolas Santa Terezinha e Santa Maria, localizadas na Comunidade da Pedreira, na Floresta Nacional do Tapajós. “O cará é um peixe que muitas crianças conhecem e já pescaram, mas chamam de perema. Foi um momento de descoberta para as crianças e para nós, professores”, exemplificou.
Ela que, é da área de Educação Física, disse que o jogo é uma atividade lúdica para os dias chuvosos. “Eles podem brincar em grupo, conhecer os peixes da região, o nome popular e científico das espécies e aprender que apesar de alguns terem o mesmo nome, são espécies diferentes”, declarou a professora.
“Acreditamos que apresentar os resultados de forma simples e divertida aproxima a população da ciência, e principalmente cria conexões importantes entre as crianças e a conservação dos nossos igarapés”, ressaltou a pesquisadora Débora Carvalho.
A pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa, acredita que os jovens podem ser protagonistas de mudanças na busca de respostas à crise climática e de biodiversidade. "Temos investido cada vez mais em materiais para o público infanto-juvenil. Felizmente, os financiamentos para a pesquisa estão valorizando mais essa abordagem”, finalizou.
Por Ana Laura Lima (MTb 1268/PA) - Embrapa Amazônia Oriental
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