Foto: Freepik
De 2000 a 2022, o Brasil registrou crescimento nos investimentos em Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) – conjunto de iniciativas que buscam garantir o acesso à alimentação adequada e saudável, envolvendo áreas da gestão pública como saúde, educação, proteção social, agricultura e meio ambiente. No total, foram executados 3,8 trilhões de reais, com variação anual positiva de 10,1%. Os dados foram publicados na “Revista de Saúde Pública” por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A pesquisa utilizou dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) do governo federal e analisou recursos públicos federais investidos de 2000 a 2022, categorizando ações conforme os temas da agenda de SAN. A categoria mais contemplada foi a de “acesso à alimentação” – que engloba, por exemplo, a aquisição e distribuição de alimentos a famílias e pessoas em vulnerabilidade social –, com média de 73,4% dos recursos alocados no período. O pico foi em 2020, quando registrou 91% do valor executado por conta do investimento em ações que buscassem atenuar a insegurança alimentar provocada pela pandemia de covid-19.
Por outro lado, a categoria “sistema agroalimentar” – referente à produção, extração e processamento de alimentos de forma sustentável e descentralizada – reunia 36% dos recursos liquidados em 2000, mas teve a maior perda de orçamento executado no período. A categoria ocupou apenas 2,3% do valor total em 2022, com reduções principalmente nos programas de fortalecimento e aquisição de produtos da agricultura familiar. Já a categoria “acesso à água”, que no início do milênio representava quase 16% do orçamento executado, despencou para 0,2% em 2022.
De forma geral, houve crescimento progressivo dos valores em SAN até 2015, quando o setor executou 236,53 bilhões de reais. Porém, entre 2016 e 2019, os investimentos caíram. Já em 2020, impulsionado pela pandemia, o orçamento alcançou 601,6 bilhões de reais. Apesar da queda nos dois anos seguintes, os valores permaneceram acima dos níveis pré-crise sanitária, chegando a 312,5 bilhões em 2022. Mesmo assim, a insegurança alimentar voltou a atingir níveis semelhantes aos da década de 1990, observa o estudo.
Para Milena Corrêa Martins, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFSC e uma das autoras do artigo, reduzir as discrepâncias exige considerar as demandas da sociedade civil e adotar uma gestão mais intersetorial. Ela também destaca o impacto que poderia ser alcançado caso os investimentos reconhecessem a agenda pública de SAN enquanto uma política de Estado, já que as agendas variam e sofrem impacto conforme o governo em vigor. O período de queda nos investimentos (2016-2019) coincide com o período que Michel Temer assumiu o poder e o início da gestão de Jair Bolsonaro, observa.
“A fome é uma escolha do governo. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, então como a população passa fome? As políticas de Segurança Alimentar e Nutricional já foram estruturadas, nós já saímos do Mapa da Fome em 2014. Mas essa mazela reflete uma condição histórica, a partir de escolhas econômicas e políticas”, aponta Martins. Ela também atenta para as limitações de uma agenda pública de SAN pautada numa lógica assistencialista, com foco na distribuição de alimentos em situações de crise. “Somente ofertar políticas de alimentação e nutrição não é o suficiente. São necessárias políticas estruturantes, capazes de transformar realidades, como o fortalecimento da agricultura familiar e de desenvolvimento econômico e social”, acrescenta Martins.
O estudo deriva da tese de doutorado de Martins, que analisa a tendência temporal da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil e seus determinantes. O objetivo da pesquisa é contribuir para qualificar os investimentos apresentados por formuladores de políticas públicas, fortalecendo o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). A pesquisa terá desdobramentos, incluindo um estudo sobre a situação de Povos e Comunidades Tradicionais, como indígenas e quilombolas, os mais afetados pela insegurança alimentar e com menor destinação de recursos, conta Martins.
A pesquisadora sugere que estudos futuros explorem os investimentos em níveis municipal e estadual para identificar como os recursos estão sendo aplicados localmente. “É nos territórios que podemos ver as especificidades de como o direito à alimentação é violado ou garantido”, finaliza Martins.
Fonte: Agência Bori
Comments