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Foto do escritorSolano Ferreira

Estudo inédito revela como as indústrias de carne e laticínios têm desviado ações climáticas globalmente

Com análises de casos sobre o Brasil O relatório analisa as ações e impactos de 22 grandes empresas mundiais de carne e laticínios, incluindo Danish Crown, Tyson Foods, JBS e Nestlé e inclui estudos de caso sobre o Brasil 

Foto: Agência GOV

Conflitos de interesse e acesso privilegiado aos principais formuladores de políticas permitem à indústria global de pecuária bloquear o monitoramento e a regulamentação de emissões. É o que aponta o relatório recém lançado "Os Novos Mercadores da Dúvida", da Changing Markets Foundation que trata da influência global do Big Meat and Dairy, exposta pela análise de 22 das maiores empresas de carne e laticínios em quatro continentes, ao lado de seus poderosos grupos comerciais.


O estudo revela as táticas sistemáticas utilizadas pelas principais empresas globais de carne e laticínios para distrair, atrasar e desviar ações climáticas significativas. Gigantes como Danish Crown, Tyson Foods, JBS e Nestlé são expostos por suas práticas de manipulação e influência sobre políticas públicas. O levantamento é resultado de uma colaboração de 18 meses entre 15 jornalistas investigativos e pesquisadores especializados e será publicado amanhã, 18 de julho.


Os sistemas alimentares são responsáveis por cerca de um terço das emissões globais - com 60% provenientes da agricultura animal, que é também a maior fonte única de metano produzido pelo homem. Táticas de greenwashing, falsas alegações climáticas e desinformação direcionada à Geração Z destacam a necessidade urgente de legislação mais rigorosa sobre a indústria de carne e laticínios.


No Brasil, as iniciativas de greenwashing são evidentes, segundo o relatório, em projetos como o selo "Carne Carbono Neutro" da Marfrig, que depende de compensações duvidosas como o plantio de eucaliptos não nativos. Além disso, a indústria se volta para as escolas com o Movimento Todos A Uma Só Voz, que busca criar empatia pelos produtores entre estudantes, promovendo uma imagem positiva do agronegócio, apesar de suas práticas prejudiciais​. Este movimento, financiado pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), intensificou suas campanhas em 2021, lançando recursos educacionais para estudantes e materiais de apoio ao ensino​. 


Documentos de liberdade de informação revelam o poderoso acesso político dos lobbies do Big Meat and Dairy, com mais de 600 reuniões de alto nível com a Comissão Europeia na última década. Memorandos internos revelam como o principal grupo da indústria de laticínios da Europa comemorou manter o metano fora da legislação de qualidade do ar e está se preparando para mantê-lo dessa forma nas revisões legislativas previstas para 2025.


Táticas globais de influência e greenwashing


A investigação revela que essas empresas gastam mais em publicidade enganosa do que em soluções climáticas reais, visando mudar a percepção da Geração Z nas redes sociais como TikTok e Instagram​. Um exemplo claro dessa tática é a campanha da Dairy Farmers of America, que utilizou influenciadores do YouTube para afirmar que o leite ajuda a reduzir as emissões. Na Europa, a subsidiária do Arla no Reino Unido pediu à Geração Z que não "cancele" os laticínios devido a preocupações ambientais, apesar das evidências contrárias apresentadas pela OMS​.

 

O levantamento mostra que muitas dessas empresas têm metas de net-zero inadequadas e ilusórias, focando principalmente nas emissões dos Escopos 1 e 2, enquanto a maioria das emissões provêm do Escopo 3. Elas promovem soluções tecnológicas ainda não comprovadas, como aditivos de algas marinhas para o gado, mas raramente as ampliam devido aos altos custos envolvidos​.

 

O cenário brasileiro


O setor agropecuário tem um papel significativo na economia brasileira, representando 24,1% do PIB e 26,8% dos empregos​. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e um grande produtor de leite, com uma crescente participação no mercado internacional. A criação de gado e o cultivo de soja são as principais ameaças aos ecossistemas da Amazônia e do Cerrado.


O relatório denuncia a Bunge, um fornecedor de soja para a UE, por seu papel no desmatamento massivo no Cerrado. A destruição dessas áreas ricas em biodiversidade está diretamente ligada à expansão da pecuária e ao cultivo de soja, exacerbando a crise ambiental no Brasil​.

 

Em 2021, foram desmatados 2 milhões de hectares em todo o país, dos quais 1,47 milhão na Amazônia Legal. Terras de povos indígenas foram roubadas e devastadas, e um quinto de todos os assassinatos de defensores ambientais em 2022 ocorreu na Amazônia​.


Lobbying e Manipulação Política


O estudo aponta o lobby do agronegócio no Brasil como uma força poderosa e bem consolidada, exercendo grande influência sobre a formulação de políticas climáticas. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é um exemplo claro desse poder, frequentemente bloqueando ou atrasando legislações ambientais. Empresas como JBS, Marfrig e Minerva Foods utilizam relatórios incompletos de emissões e lobbying intenso para adiar ações climáticas significativas, comprometendo os compromissos ambientais do Brasil​.

 

O Instituto Pensar Agropecuária (IPA), financiado por 48 associações agrícolas e algumas das maiores empresas de carne do Brasil, é um think tank que molda políticas favoráveis ao setor. A JBS é a maior financiadora, com a Marfrig e a Minerva também aportando recursos​. 

Ameaças aos Defensores Ambientais


O Brasil tem um histórico alarmante de violência contra defensores ambientais. Entre 2012 e 2022, foram registradas 376 mortes de ativistas, destacando a perigosa interseção entre os interesses do agronegócio e o ativismo ambiental no país​​. Este cenário de violência e intimidação é uma consequência direta do conflito de interesses entre a proteção ambiental e a expansão agropecuária. 


A manipulação da ciência


O estudo cita que as grandes empresas de carne e laticínios no Brasil promovem a métrica GWP* para minimizar as emissões de metano de gado. Essa métrica controversa, apoiada por cientistas financiados pela indústria, distorce a realidade do impacto climático da pecuária, facilitando a continuidade de práticas prejudiciais sob uma fachada de sustentabilidade​.

 

O relatório menciona o uso da métrica GWP* por Ciniro Costa do CGIAR na COP28, alegando que a produção de carne bovina na América Latina poderia ser neutra em termos climáticos até 2050, apesar do aumento planejado na produção​.-

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