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Foto do escritorSolano Ferreira

Em 39 anos, Cerrado perdeu área de vegetação nativa maior que o Estado de Goiás

Foto: Brasil Escola

Camila Santana*


De 1985 a 2023, foram desmatados 38 milhões de hectares no Cerrado, uma área maior que o Estado de Goiás. Isso representa uma redução de 27% na vegetação original do bioma, que hoje tem quase metade de sua área (48,3%) alterada por atividades humanas. A outra metade, que ainda permanece em pé, corresponde a 101 milhões de hectares, representando 8% de toda a vegetação nativa do Brasil. No período analisado, a pastagem e a agricultura foram os usos que mais se expandiram no bioma, com aumentos de 62% e 529%, respectivamente.

 

Atualmente, 26 milhões de hectares do Cerrado estão ocupados pela agricultura, dos quais 75% são destinados ao cultivo de soja. O bioma responde por quase metade da área cultivada com o grão no Brasil, totalizando 19 milhões de hectares. Os dados são do levantamento realizado pelo MapBiomas, uma rede colaborativa da qual o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental) faz parte.

"A Coleção 9 oferece uma visão detalhada das mudanças ocorridas no território nos últimos 39 anos", explica Bárbara Costa, analista de pesquisa do IPAM e integrante da equipe que organizou o levantamento sobre o Cerrado. Sobre a dinâmica de uso da terra, ela explica que "o desmatamento, impulsionado principalmente pela expansão da pastagem e da agricultura, continua sendo a maior ameaça ao segundo maior bioma do país". Embora observada uma tendência recente de diminuição das áreas de pastagem, de 2014 a 2023, Costa afirma que "o avanço da agricultura foi significativo, não apenas pela intensificação das atividades agrícolas em áreas já convertidas, mas também pela abertura de novas áreas, especialmente para o cultivo de soja". Essas transformações, segundo ela, se concentram principalmente em terrenos planos e elevados, como os planaltos e chapadas.

 

Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (21) durante a cerimônia de lançamento da 9ª coleção de mapas de cobertura e uso da terra no Brasil, desde 1985 a 2023 do MapBiomas. Utilizando imagens de satélite e técnicas avançadas de aprendizado de máquina, os pesquisadores mapearam todo o território brasileiro em 29 classes de uso e cobertura da terra. Este ano, a iniciativa incluiu uma nova classe no mapeamento: os recifes de coral.

 

Impacto no Cerrado 

 

Nos últimos seis anos, o Cerrado perdeu 5 milhões de hectares de vegetação nativa, dos quais 72% ocorreram nos estados do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Essa região, que abriga 47,8% da vegetação remanescente do Cerrado, tem sido o principal foco de desmatamento, onde todos os estados têm pelo menos um município com mais de 30% de perda de vegetação nativa entre 2008 e 2023. Os municípios com as maiores perdas no período são: Bom Lugar, MA (-70%), Praia Norte, TO (-51%), Sampaio, TO (-48%), São Domingos do Maranhão, MA (-45%) e Brejo de Areia, MA (-45%).

 

"O Matopiba tem se consolidado como uma das maiores e mais rápidas frentes de desmatamento do planeta. É uma região sensível e fundamental para a segurança hídrica e climática por abrigar os maiores remanescentes contínuos de vegetação savânica e campestre do país. Parte dessa vegetação está protegida em unidades de conservação e territórios comunitários, mas a maioria se concentra em áreas privadas, tornando-a vulnerável ao desmatamento", acrescentou Dhemerson Conciani, pesquisador do IPAM que colaborou com o levantamento.


"A situação no Cerrado pode se agravar ainda mais caso a tendência atual de supressão dos remanescentes de vegetação nativa em áreas privadas persista, afetando inclusive o setor agropecuário, pois o desmatamento pode contribuir para um clima mais quente e seco no bioma", alertou Julia Shimbo, pesquisadora do IPAM e coordenadora científica do MapBiomas.

 

As áreas privadas desempenham um papel fundamental na preservação do bioma, já que essas propriedades ocupam grande parte do Cerrado. A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.561/2012) prevê que propriedades rurais no Cerrado mantenham ao menos 20% de sua área como vegetação nativa, (e 35% na Amazônia Legal), a chamada Reserva Legal. Os dados mostram que o desmatamento se concentra nessas áreas, onde 81% (86,9 milhões de hectares) da perda de vegetação nativa do Brasil foi em áreas privadas ou áreas com CAR (Cadastro Ambiental Rural) sem registro fundiário georreferenciado, enquanto 41% da vegetação nativa no Brasil está em áreas protegidas e comunitárias.

 

Desmatamento na Amazônia 

 

Todos os municípios na fronteira Amacro (Acre, Amazonas e Rondônia) registraram perda recente de vegetação nativa, considerando o período de 2008 a 2023. Em 16 dos 32 municípios analisados, a perda ultrapassou 15%, e em seis, superou 30%. Ao contrário do Cerrado, onde apenas 18 milhões de hectares estão protegidos em UCs (Unidades de Conservação), a Amazônia abriga 122 milhões de hectares em UCs, além das terras indígenas e florestas públicas.

 

Proteção em terras indígenas e florestas públicas 

 

Nas terras indígenas, menos de 1% da vegetação nativa foi perdida de 1985 a 2023. Esses territórios, que ocupam 13% do país, protegem 112 milhões de hectares de floresta. De forma semelhante, as FPNDs (Florestas Públicas Não Destinadas) mantiveram 92% de sua vegetação nativa no período, apesar das constantes ameaças. Essas florestas sob domínio público não possuem um uso específico definido e aguardam uma destinação formal pelo poder público. "O governo precisa destinar essas áreas como medida para baixar rapidamente as taxas de desmatamento na região", destacou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM. Apenas na Amazônia, quase 30% do desmatamento anual ocorre em áreas de FPND, de acordo com pesquisa liderada por Moutinho. "É urgente que essas terras sejam entregues nas mãos de povos e comunidades tradicionais, pois eles mantêm a floresta em pé", reforçou.

 

Sobre o MapBiomas 

 

Iniciativa multi-institucional que processa imagens de satélites com inteligência artificial e tecnologia de alta resolução em uma rede colaborativa de especialistas, universidades, ONGs, instituições e empresas de tecnologia para a criação de séries históricas e mapeamento de uso e cobertura da terra no Brasil. O IPAM é a instituição responsável pelo mapeamento da vegetação nativa no bioma Cerrado dentro da rede MapBiomas. Todos os mapas e dados são abertos, públicos e gratuitos acessados pela plataforma: Link.

 

Foto de capa: Rafael Coelho/IPAM 

*Analista de Comunicação do IPAM 


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