Agência FAPESP* –André Julião | Agência FAPESP – Nas noites do Cerrado, as larvas do vagalume da espécie Pyrearinus termitilluminans, que vivem em cupinzeiros, expõem suas lanternas verdes a fim de capturar presas atraídas pela luz.
Em mais de 30 anos de expedições com seus estudantes ao Parque Nacional das Emas, em Goiás, e fazendas no entorno da unidade de conservação em busca de espécimes, nunca o fenômeno foi tão raro quanto agora, constata Vadim Viviani, professor do Centro de Ciências e Tecnologias para a Sustentabilidade da Universidade Federal de São Carlos (CCTS-UFSCar), em Sorocaba.
“Na década de 90, era possível ver muitos desses cupinzeiros, inclusive em áreas de pastagem, repletos de vagalumes. Agora, a maioria dos campos foi substituída por monoculturas de cana-de-açúcar, onde quase não se encontram esses besouros luminescentes”, atesta o pesquisador.
A conclusão é parte de um estudo apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP, que foi publicado por Viviani e colaboradores na revista Annals of the Entomological Society of America.
Entre os coautores está Etelvino Bechara, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) que orientou Viviani no mestrado e doutorado nos anos 1990 e que também é apoiado pela FAPESP.
Além deles, assinam ainda o artigo Cleide Costa, pesquisadora do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), e a entomóloga Simone P. Rosa, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), autoridades em taxonomia da superfamília Elateroidea.
No levantamento, 51 espécies foram registradas, a maioria vagalumes, mas também os chamados besouros tec-tec, que possuem duas lanternas nas costas, e as larvas-trenzinho, que podem produzir luzes de cores diferentes ao mesmo tempo.
Em Goiás, além do Parque Nacional das Emas, no município de Mineiros, e em fazendas do entorno, foram feitas coletas em Perolândia e Campinorte. No Mato Grosso, os levantamentos ocorreram no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e nas cidades de Alto Garças, Novo Santo Antônio e Rio Manso. Já na cidade de Costa Rica, no Mato Grosso do Sul, foram visitadas duas fazendas e o Parque Sucuriú.
O Parque Nacional das Emas foi o local mais rico, com 35 espécies. Durante as últimas três décadas, os pesquisadores contam ter observado um evidente declínio da diversidade desses besouros em remanescentes do Cerrado dentro das fazendas que cercam o parque.
A queda se deu ao mesmo tempo em que ocorria a substituição das pastagens por plantações de soja e cana-de-açúcar e a redução de áreas de cerrado e cerradão, fisionomia mais densa também encontrada no bioma.
O trabalho registra ainda, pela primeira vez, a ocorrência dos cupinzeiros luminosos no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. As estruturas cheias de larvas de vagalumes são bastante comuns no Parque Nacional das Emas e no entorno. Um trabalho da equipe havia registrado a ocorrência do fenômeno também nas florestas da Amazônia (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/23496/).
Sumiço dos trenzinhos
Outras ameaças para os besouros luminescentes são os pesticidas usados para combater pragas da agricultura e a luz noturna artificial. As fontes luminosas produzidas por humanos impedem as espécies luminescentes de serem encontradas por parceiros sexuais, atrapalhando a reprodução.
Outra ausência marcante nas coletas mais recentes do grupo foram as larvas-trenzinho, que podem emitir luzes de cores diferentes ao mesmo tempo, como vermelho e amarelo, e apresentam grande potencial biotecnológico (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/31554/).
“O declínio dessa família [Phengodidae] foi especialmente evidente. Depois de 2010, os machos adultos não foram mais atraídos por armadilhas de luz em áreas mais preservadas dentro de fazendas de cana-de-açúcar. Os níveis cada vez maiores de luz artificial dentro do Parque Nacional das Emas, vinda dos crescentes centros urbanos adjacentes, podem ameaçar muitas espécies bioluminescentes, o que merece atenção especial e mais estudos”, escrevem os autores.
A extinção de espécies luminescentes é uma perda não apenas para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos prestados por esses animais. Pode representar a perda de oportunidades tecnológicas e econômicas.
Muitos processos analíticos usados em pesquisas científicas, análises médicas, industriais e ambientais utilizam a bioluminescência, como é chamada a produção de luz fria e visível por seres vivos.
O fenômeno é resultado da oxidação de luciferina, um tipo de composto presente nesses e outros animais, além de alguns fungos, por enzimas conhecidas como luciferases.
Ao longo dos anos, o grupo liderado por Viviani isolou e clonou o maior número de luciferases de diferentes insetos no mundo, que incluem ainda mosquitos que produzem luz azul (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/34226 e https://agencia.fapesp.br/28840/).
Os besouros luminescentes produzem cores como verde, amarelo, laranja e vermelho, usadas para marcar células e proteínas, por exemplo (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/36330/ e https://agencia.fapesp.br/20548/).
Atualmente, Viviani coordena um projeto apoiado pela FAPESP com o objetivo de desenvolver insumos bioluminescentes para imunoensaios, análises ambientais e bioimagem. O objetivo é desenvolver aplicações a partir de luciferases de espécies brasileiras, uma vez que a maior parte dessas tecnologias ainda é importada.
“É preciso compreender que o Cerrado não é mato, mas um repositório de água no solo, fonte de evaporação que gera chuvas e, ainda, um imenso acervo de espécies exclusivas, que ainda têm muito a nos ensinar”, conclui o pesquisador.
O artigo Inventory and ecological aspects of bioluminescent beetles in the Cerrado ecosystem and its decline around Emas National Park (Brazil) está disponível em acesso aberto em: https://academic.oup.com/aesa/advance-article/doi/10.1093/aesa/saad029/7289072.
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