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Cientistas recomendam medidas de adaptação para a castanha da Amazônia

  • Foto do escritor: Solano Ferreira
    Solano Ferreira
  • 8 de abr.
  • 7 min de leitura

Foto: Ronaldo Rosa

Efeitos de baixa nebulosidade, de radiação solar intensa e de queimadas prolongadas comprometeram a interferência e a formação dos frutos da castanheira, resultando na quebra da safra atual
Efeitos de baixa nebulosidade, de radiação solar intensa e de queimadas prolongadas comprometeram a interferência e a formação dos frutos da castanheira, resultando na quebra da safra atual

A produção de castanha-da-amazônia, também conhecida como castanha-do-brasil e castanha-do-pará, enfrenta uma forte redução na safra 2024/2025, afetando a economia regional. O evento extremo está relacionado à seca severa e ao aumento das temperaturas, agravados pelas consequências do El Niño. Os especialistas, no entanto, preveem uma recuperação na safra seguinte, mas alertam para a implementação de medidas de adaptação.


Queda na produção e seus motivos


A Amazônia aconteceu um dos períodos de seca mais intensos dos últimos 40 anos, com destaque para o prolongado fenômeno El Niño que ocorreu entre agosto de 2023 e maio de 2024. A combinação de baixa nebulosidade, radiação solar intensa e queimadas prolongadas elevou as temperaturas e prejudicou significativamente a umidade do solo. Como consequência, a formação dos frutos da castanheira foram comprometidas, resultando na quebra da safra atual.


"O ciclo reprodutivo da castanheira-da-amazônia é longo e sensível às variações climáticas. A interferência ocorre anualmente, durando de quatro a seis meses, geralmente no fim da estação seca e início da chuvosa. Já a maturação dos frutos leva de nove a treze meses", afirma Carolina Volkmer de Castilho , pesquisadora da Embrapa Roraima.


Conforme Lucieta Guerreiro Martorano , pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental (PA), esse cenário lembra a crise de 2017 , ( leia também aqui ) quando o El Niño de 2015/2016 elevou a temperaturas 2°C acima da média e gerou um verão amazônico com temperaturas secas. “A falta de chuvas naquele período prejudicou a sólida e formação dos frutos, além de reduzir a atividade de polinizadores como as abelhas, resultando em uma queda expressiva na produção de castanhas no ano seguinte”, lembra o cientista. “Foi a primeira vez na história em que se registrou redução significativa da produção de castanha em toda a bacia Amazônica”, frisa o pesquisador da Embrapa Raimundo Cosme de Oliveira Junior , que atua na mesma unidade de pesquisa de Martorano, em Belém do Pará.

 

Perspectivas para Recuperação


Apesar do declínio atual, pesquisadores da Embrapa preveem uma possível superprodução na safra 2025/2026, um fenômeno já observado após a crise de 2017. “Esse aumento na produção ocorre porque as castanheiras tendem a compensar os períodos de baixa produtividade com maior frutificação nos anos seguintes, aliado aos efeitos climáticos do fenômeno La Niña”, esclarece Patrícia da Costa , pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente .

No entanto, ela alerta que essa oscilação pode causar forte instabilidade nos preços do mercado. Costa conta que, em 2017, a lata de castanha (20 litros) atingiu R$ 180,00 devido à alta demanda e à escassez do produto. No ano seguinte, a combinação da superprodução com a diminuição da demanda industrial, devido aos altos preços, causada em um grande excedente, provocou uma queda acentuada nos preços, com a lata chegando a valer apenas R$ 25,00 ou menos.


Esse efeito, conhecido como “efeito ressaca”, gera perdas financeiras significativas, impactando níveis extrativistas e toda a cadeia produtiva. À época, a recuperação dos preços para um patamar mais estável, cerca de R$ 60,00 a lata, levou cinco anos.

Para evitar ciclos de prejuízos como esse, é essencial a implementação de medidas de regulação e suporte ao setor. Atualmente, em março de 2025, a castanha está escassa novamente, e os preços já chegam a aproximadamente R$ 220,00 a lata.

Foto: Ronaldo Rosa
Foto: Ronaldo Rosa

Soluções e medidas

O manejo e a renovação dos castanhais apresentam-se como medidas urgentes, uma vez que as castanheiras mais velhas estão morrendo, enquanto os mais jovens apresentam maior resiliência frente aos eventos climáticos extremos.


Pesquisas demonstraram que algumas medidas adotadas pelas comunidades extrativistas podem ajudar no aumento da produção de castanha. O corte de cipós, por exemplo, pode aumentar em até 30% a produção de castanheiras que estejam infestadas. Além disso, essa prática melhora as condições fisiológicas das árvores, contribuindo para garantir sua resiliência diante de eventos climáticos extremos. “Os extrativistas mais experientes já adotaram essa técnica, e conseguiram comprovar a partir de um estudo realizado ao longo de dez anos os seus benefícios tanto para a estrutura das árvores quanto para o aumento da produção”, afirma Lúcia Wadt, pesquisadora da Embrapa Rondônia .


O manejo dos castanhais, aliado às atividades agroextrativistas praticadas pelos castanheiros, pode favorecer a regeneração natural da espécie, que tem dificuldade de se estabelecer em áreas sombreadas dentro da floresta. Uma das práticas positivas é a técnica de produção de mudas em miniestufas. O método, tema de um curso de educação à distância , é de baixo custo e pode ser aplicado em pequena escala. “A técnica permite que os produtores aproveitem melhor o potencial de suas áreas de plantio, enriquecendo florestas degradadas ou em Sistemas Agroflorestais”, frisa Wadt. 


Outras pesquisas realizadas na Resex Cajari (AP) confirmaram o sucesso do modelo de manejo denominado “Castanha na Roça”, que concilia a agricultura com a produção florestal. Os experimentos demonstraram maior densidade de regenerantes de castanheiras em áreas de capoeiras e roças de agricultura itinerante do que na floresta madura.


“O Castanha na Roça é um tipo de consórcio agroflorestal que faz parte da realidade local e é desenvolvido em duas vertentes: na capoeira abandonada e na roça. Esse sistema aproveita a regeneração natural das castanheiras em áreas de agricultura itinerante fora da floresta, promovendo a formação de novas castanhas. Essa estratégia, combinada ao plantio de árvores jovens mais resilientes às mudanças climáticas, pode garantir tanto a perpetuação da espécie quanto a produção sustentável de castanhas a longo prazo”, informa o pesquisador Marcelino Carneiro-Guedes , da Embrapa Amapá .


Com a previsão de aumento da produção na próxima safra (2025/2026), a adoção de medidas que garantam a qualidade do produto é importante, especialmente quando os extrativistas precisam armazenar a amêndoa, que assim como a etapa de seleção são essenciais para atender aos padrões exigidos pelo mercado. Um dos maiores desafios é evitar a contaminação por aflatoxinas, produzidas por fungos que se desenvolvem em condições prejudiciais de armazenamento e são potencialmente cancerígenas quando ingeridas.


Medidas como secagem rápida e uniforme das amêndoas após a retirada do ouriço, o armazenamento em local seco e arejado, protegido da chuva e o transporte adequado ajudam a evitar a umidade no produto. “As boas práticas de coleta não apenas preservam a qualidade do produto, mas também fortalecem a comercialização da castanha, garantindo segurança alimentar e valor agregado para os produtores”, afirma Cleisa Brasil , pesquisadora da Embrapa Acre


Outra ação importante é feita pela Embrapa que, por meio de seu Programa de Melhoramento Genético da Castanheira, selecionou matrizes com maior resistência às variações climáticas e maior potencial produtivo.

Foto: Vítor Alberto de Matos Pereira
Foto: Vítor Alberto de Matos Pereira

Seguro extrativismo


A criação de um seguro-extrativismo também tem sido discutida por pesquisadores e membros da cadeia produtiva. Esse mecanismo garantiria a compensação financeira aos extrativistas em anos de baixa produção devido a eventos climáticos e extremos. Integrantes do Observatório da Castanha da Amazônia (OCA), rede de extrativistas e organizações comunitárias que realizam o monitoramento participativo de preços e troca de informações sobre a cadeia de valor, pretendem apresentar uma proposta aos parlamentares. 


Napoleão Ferreira de Oliveira, diretor-presidente da Associação Apavio, na Resex Médio Purus, no Amazonas, enfatiza que uma crise climática tem impactos sociais profundos. "Nossa economia depende do extrativismo, mas a falta de chuvas diminui significativamente a produção de castanha e açaí. Precisamos construir mecanismos de segurança financeira para garantir a estabilidade das comunidades", defendem. Oliveira sugere a criação de um abono para os extrativistas, semelhante aos auxílios concedidos a outras atividades do setor primário. “Sem essa segurança, muitos serão obrigados a abandonar a floresta e migrar para os centros urbanos, impactando ainda mais a conservação da Amazônia”, conclui.


A castanha-da-amazônia é o produto florestal não-madeireiro mais estável em termos de geração de renda. O seguro-extrativismo ajudaria a evitar a migração de extrativistas para atividades produtivas que, muitas vezes, estão associadas ao desmatamento e à manipulação da floresta. Além disso, essa medida contribuiria para a conservação da biodiversidade amazônica, promovendo práticas sustentáveis ​​e protegendo os ecossistemas naturais onde a castanheira foi encontrada, ao mesmo tempo em que promoveria a segurança alimentar de povos e comunidades tradicionais, assegurando sua subsistência e preservação cultural.

Rede de pesquisa atua há 20 anos com comunidades da Amazônia


A Rede Kamukaia é uma rede de pesquisa coordenada pela Embrapa, que reúne pesquisadores de todas as unidades de pesquisa da empresa da Amazônia. Há quase 20 anos, atua em parceria com comunidades agroextrativistas da região, ONGs e universidades, conduzindo estudos para compreender os aspectos ecológicos e socioeconômicos das principais espécies vegetais utilizadas como produtos florestais não madeireiros. Além disso, a rede desenvolve tecnologias sociais externas para essas comunidades e gera evidências para subsidiar a formulação de políticas públicas.


Atualmente, um dos projetos da rede Kamukaia é o NewCast - que tem foco no fortalecimento da cadeia produtiva da castanha da Amazônia, “O objetivo é contribuir para superar os desafios na produção, melhorar a qualidade do produto, expandir a base produtiva, valorizar a castanha no mercado e fortalecer as comunidades extrativistas”, destaca Patrícia da Costa, líder do projeto.


Participam do Projeto NewCast sete Unidades da Embrapa na Amazônia (Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Agrossilvipastoril, Amazônia Ocidental e Amazônia Oriental) e três no Sudeste (Pecuária Sudeste, Instrumentação e Meio Ambiente). Como comunidades parceiras e beneficiárias diretas, inclua associações representativas de duas Reservas Extrativistas (Resex): Rio Cajari (Amapá) e Baixo Rio Branco-Jauaperi (Roraima/Amazonas); e duas Terras Indígenas: Rio Branco (Rondônia) e WaiWái (Roraima). O projeto NewCast iniciou em 2024 e terá duração de três anos. Conta com financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos ( Finep ), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação ( MCTI ).

Foto:  Vítor Alberto de Matos Pereira
Foto:  Vítor Alberto de Matos Pereira

A escassez de castanhas pode impactar a renda de comunidades extrativistas, que depende disso. Elziane Ribeiro de Souza, produtora da Reserva Extrativista (Resex) Cajari, no Amapá, destaca que a seca afetou significativamente a produção de castanha em sua região. "Perdemos quase 100% da produção. Um dos castanhais que costumavam produzir 180 barricas, este ano não chegou a 10".


Em Rondolândia, Mato Grosso, Paulo César Nunes, da Cooperativa do Povo Indígena Zoro (Cooperapiz), explica que a quebra na produção comprometeu o suficiente para a indústria. “Temos dificuldades para cumprir contratos e isso impacta diretamente a renda das famílias extrativistas e o número de vagas de emprego na região”, afirma. Para enfrentar a crise, uma cooperativa recebeu apoio da Cooperação Internacional, por meio do Programa REM MT, que criou um Fundo Rotativo para facilitar a aquisição de castanha. No entanto, Nunes reforça que é essencial fortalecer as indústrias de base comunitária. "Sem elas, o extrativismo pode entrar em colapso, pois os preços pagos aos coletores já são historicamente baixos. Durante uma crise, isso pode levar ao abandono da atividade", alerta.


Ítalo Tonetto, Diretor da Castanhas Ouro Verde, em Jaru (RO), destaca a necessidade de previsibilidade e comunicação transparente com os clientes. “Avisamos desde o início sobre os riscos, mas é um tema delicado, pois nem todos acreditam na gravidade da situação”, diz. Tonetto reforça que, apesar da quebra na safra atual, espera-se a normalização na próxima safra.


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