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Além das estatísticas: O drama do suicídio entre os povos originários brasileiros

“A Terra está doente e isso reflete em nossos corpos e nossos povos”

Sam Saterenawe


Foto: Solano Ferreira/Mundo e Meio


Por Joel Elias (*)


No vasto tecido da sociedade brasileira, intricadamente entrelaçado com as paisagens naturais e as complexidades históricas, há um quadro sombrio que muitas vezes permanece obscurecido: a realidade dos povos indígenas. Um novo estudo, publicado pela revista The Lancet Regional Health – Americas, lança uma luz incisiva sobre uma faceta particularmente angustiante dessa realidade: a alarmante taxa de suicídio entre os indígenas brasileiros.


A pesquisa, que analisou dados do período de 2000 a 2020, utilizou informações do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para estimar as taxas de suicídio em diferentes regiões do Brasil.

Os números são contundentes e perturbadores. Em 2020, a taxa de suicídio entre os indígenas atingiu uma média de 17.57 mortes a cada 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional que no mesmo período foi de 6.35 mortes por 100 mil habitantes. Esses números são reflexo de uma série de fatores complexos que afetam as comunidades indígenas em todo o país. E por trás desses números frios estão histórias humanas de desespero, desolação e desamparo.


Um aspecto que ressalta é a disparidade de gênero. A maioria das vítimas são homens solteiros, representando 67,9% do total. Esse dado, combinado com o fato de que a faixa etária dos 10 aos 24 anos registrou os maiores números de suicídios em todos os anos observados, aponta para a urgência de abordagens específicas de gênero e idade para prevenção e intervenção. Apontam também para a necessidade de implementação de políticas públicas que abordem não apenas os aspectos socioeconômicos, mas também as questões de gênero e idade que influenciam o comportamento suicida nas comunidades indígenas.


A pesquisa revela também que fatores socioeconômicos e ambientais desempenham um papel crucial nesse cenário angustiante. Disputas fundiárias, desequilíbrio ambiental e falta de acesso adequado à saúde pública são apenas algumas das pedras no caminho para o bem-estar e a estabilidade emocional das comunidades indígenas. Esses desafios são exacerbados pelas dificuldades de acesso aos serviços de apoio à saúde mental, criando um ciclo pernicioso de sofrimento e desesperança.


A análise das disparidades regionais revela padrões perturbadores. O Centro-Oeste emerge como uma área de preocupação particular, com taxas de suicídio entre indígenas atingindo níveis alarmantes, especialmente no Mato Grosso do Sul. A Região Norte, notadamente o Amazonas e Roraima, também testemunhou um aumento acentuado nos casos de suicídio entre os indígenas, apontando para a necessidade de estratégias específicas adaptadas às realidades locais.


Além disso, a pesquisa destaca as diferentes modalidades de suicídio predominantes entre homens e mulheres indígenas, com o enforcamento, estrangulamento ou sufocamento sendo o método mais comum para ambos os sexos. O estudo também revela que esses métodos são mais comuns entre os indígenas do que entre a população não indígena, o que sugere a existência de fatores culturais e ambientais que influenciam as escolhas de suicídio nessas comunidades. Essa distinção aponta para a importância de abordagens diferenciadas na prevenção do suicídio entre os povos originários, levando em consideração as especificidades de gênero e levando-se em conta a diversidade cultural de cada etnia.


No entanto, é necessário que as descobertas desse estudo não sejam apenas uma fonte de alarme, mas também um catalisador para a ação efetiva. A resposta a essa crise exige um compromisso coletivo e abrangente, que aborde não apenas os sintomas visíveis, mas também as raízes estruturais do sofrimento indígena. Isso inclui a implementação de políticas que protejam os direitos territoriais dos povos indígenas, promovam o desenvolvimento socioeconômico sustentável em suas comunidades e garantam o acesso equitativo a serviços de saúde mental culturalmente relevantes.


Além disso, é imperativo que os esforços de prevenção do suicídio sejam informados e liderados pelas próprias comunidades indígenas, reconhecendo e respeitando suas perspectivas, conhecimentos e sistemas de apoio tradicionais. O empoderamento das lideranças indígenas e a promoção da autodeterminação são componentes essenciais de qualquer estratégia eficaz de prevenção do suicídio.


À medida que nos confrontamos com as sombras dessa realidade angustiante, devemos lembrar que cada número representa uma vida perdida e uma comunidade em luto. A luta contra o suicídio indígena não é apenas uma questão de saúde pública, mas também de justiça social e direitos humanos. Somente através de uma abordagem integrada e solidária podemos esperar trazer luz e esperança para aqueles que lutam nas margens de nossa sociedade.


Diante dessa constatação, é fundamental que o poder público e as organizações da sociedade civil adotem medidas eficazes para prevenir o suicídio entre os indígenas. Isso inclui o fortalecimento dos sistemas de saúde mental nessas comunidades, o desenvolvimento de programas de apoio psicossocial e a promoção do diálogo intercultural para entender melhor as necessidades e os desafios enfrentados nas aldeias.


Além disso, é essencial garantir o respeito aos direitos territoriais e culturais das comunidades indígenas, bem como o acesso equitativo aos serviços básicos, como saúde, educação e saneamento básico. Somente com uma abordagem holística e colaborativa será possível enfrentar o problema do suicídio entre os indígenas e promover o bem-estar e a dignidade dessas comunidades.


Em última análise, o alto índice de suicídio entre os indígenas é um reflexo das desigualdades e injustiças que persistem em nossa sociedade. É hora de reconhecermos esses problemas e agirmos de forma decisiva para garantir que todas as pessoas, independentemente de sua origem étnica ou cultural, tenham as mesmas oportunidades e os mesmos direitos. O futuro das comunidades indígenas e de todo o país depende disso.


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(*) Joel Elias é jornalista profissional na Amazônia brasileira.



 

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