Por Joel Elias *
A redução dos limites das unidades de conservação em Rondônia, promovida pela Assembleia Legislativa, tem gerado graves consequências ambientais, especialmente com o aumento das queimadas em 2024. A medida foi justificada pela necessidade de resolver conflitos fundiários e legalizar ocupações irregulares, mas, do ponto de vista ambiental, as consequências têm sido desastrosas. O Parque Estadual Guajará-Mirim, um dos mais afetados, teve sua área drasticamente reduzida, e essa mudança abriu espaço para ocupações ilegais, desmatamento e o avanço do agronegócio sobre áreas antes protegidas. Com uma área 216 mil hectares, em 2022, após a mudança, o parque teve sua área reduzida para cerca de 55 mil hectares, o que representa uma redução de aproximadamente 75% de seu território original.
As unidades de conservação, que são fundamentais para a preservação da biodiversidade, a proteção dos ecossistemas e a regulação do clima, têm sido enfraquecidas em Rondônia. Elas funcionam como barreiras contra o desmatamento e armazenam grandes quantidades de carbono, desempenhando um papel vital no equilíbrio ecológico e na mitigação das mudanças climáticas. Ao reduzir seus limites, o estado facilita a expansão de atividades agropecuárias, que muitas vezes estão associadas ao desmatamento ilegal e às queimadas.
A redução da área do Parque Guajará-Mirim é emblemática nesse processo. Criado em 1990, a unidade sempre foi uma importante barreira contra o desmatamento no oeste de Rondônia. No entanto, com a perda de cerca de 75% de seu território, a ocupação descontrolada avançou rapidamente. Sem a proteção devida, a área tornou-se alvo de atividades agropecuárias ilegais, e as queimadas passaram a ser uma constante. Em 2024, os focos de incêndio aumentaram consideravelmente na região, em um cenário que se repete em outras áreas do estado. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) indicam um aumento de 25% nos focos de queimadas em Rondônia em comparação com o ano anterior, sendo o Parque Guajará-Mirim um dos epicentros desse problema.
O uso do fogo é uma prática comum após o desmatamento, utilizada para "limpar" áreas recém-desmatadas, e isso tem contribuído diretamente para a degradação ambiental. As queimadas liberam grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, agravando as mudanças climáticas e afetando a qualidade do ar. Além disso, o impacto sobre a saúde pública é significativo. A fumaça das queimadas aumenta os casos de doenças respiratórias, especialmente entre crianças e idosos. Durante a temporada de queimadas, as internações hospitalares por problemas respiratórios podem crescer em até 30%, afetando diretamente a população mais vulnerável.
A redução das áreas de conservação em Rondônia reflete também uma crise de governança ambiental. As decisões tomadas pela Assembleia Legislativa não foram acompanhadas de estudos técnicos suficientes, e a fiscalização ambiental no estado é falha, permitindo que crimes ambientais ocorram com pouca ou nenhuma consequência. A flexibilização das leis de proteção ambiental é um reflexo de uma política nacional, principalmente no governo de Jair Bolsonaro, que prioriza o crescimento econômico, muitas vezes à custa da preservação ambiental. O agronegócio tem sido um dos principais beneficiários dessas mudanças, expandindo suas atividades sobre áreas que antes estavam protegidas.
Diversas organizações ambientais e o Ministério Público têm denunciado a redução das áreas protegidas em Rondônia como uma ação inconstitucional e prejudicial ao futuro da Amazônia.
No entanto, os esforços para reverter essas medidas judicialmente têm encontrado resistência. A expansão agropecuária em Rondônia, impulsionada pela redução das unidades de conservação, está diretamente ligada ao aumento das queimadas e ao desmatamento. O uso do fogo para manejar terras desmatadas agrava ainda mais a degradação ambiental, que atinge não apenas o meio ambiente, mas também as populações tradicionais que dependem da floresta para sua sobrevivência.
Esse modelo de desenvolvimento, que favorece a exploração de curto prazo dos recursos naturais, é insustentável a longo prazo. A preservação das unidades de conservação é fundamental para garantir a sustentabilidade ambiental de Rondônia e do Brasil como um todo. Sem essas áreas protegidas, o desmatamento continuará avançando, e as queimadas se tornarão ainda mais frequentes, contribuindo para a degradação irreversível dos ecossistemas.
Para reverter essa tendência, é necessário que Rondônia adote políticas ambientais mais rigorosas e reforce a fiscalização contra crimes ambientais. A recuperação de áreas degradadas e o incentivo a práticas agropecuárias sustentáveis são medidas essenciais para conter a degradação ambiental. Além disso, é urgente que o estado e o país como compreendam que o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental não são objetivos contraditórios, mas complementares. Proteger áreas como os parques ecológicos não é apenas uma questão de preservação da biodiversidade, mas também uma medida necessária para mitigar as mudanças climáticas e garantir a qualidade de vida das futuras gerações.
A crise ambiental que o estado enfrenta é o resultado de políticas públicas que negligenciam o valor intrínseco das áreas protegidas, colocando em risco o futuro ecológico da região. Para superar essa crise, será necessário um esforço conjunto entre o poder público, a sociedade civil e o setor privado, a fim de promover um modelo de desenvolvimento que integre a conservação ambiental como prioridade.
* Joel Elias é jornalista atuante na Amazônia brasileira.
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