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Foto do escritorSolano Ferreira

A força de uma heroína subjugada pelo machismo histórico

Por Joel Elias

A narrativa histórica do Brasil, frequentemente moldada sob uma ótica patriarcal, omitiu ou minimizou a importância de figuras femininas em momentos cruciais do país. A Imperatriz Leopoldina é um exemplo claro de como o machismo permeia a historiografia ao relegar uma mulher ao papel de coadjuvante em um evento que ajudou a definir os rumos da nação: a Independência do Brasil. Embora sua participação tenha sido vital, o protagonismo de Leopoldina foi obscurecido por décadas.


Leopoldina, educada na sofisticada corte austríaca dos Habsburgos, trazia uma formação intelectual e política que contrastava com o ambiente colonial do Brasil. Sua visão estratégica, alimentada por correntes liberais e iluministas, fez dela uma peça fundamental no processo de ruptura com Portugal. Como regente em 1822, enquanto Dom Pedro estava em São Paulo, foi ela quem tomou a decisão de assinar o parecer recomendando a separação definitiva do Brasil de Portugal, um ato que precedeu o famoso Grito do Ipiranga. Contudo, a história brasileira tendeu a atribuir o mérito exclusivamente ao futuro imperador, deixando Leopoldina à margem.


Essa exclusão não é um acaso; é o reflexo de uma cultura que sistematicamente desvalorizou o papel das mulheres em esferas de poder. A contribuição de Leopoldina vai além de uma simples esposa apoiadora. Ela foi uma estrategista que compreendeu a complexa conjuntura internacional e as tensões internas do império, assumindo uma postura ativa nos assuntos de Estado. No entanto, sua presença nas narrativas oficiais foi, por muito tempo, limitada a uma posição secundária.


O machismo que permeia essa leitura da história ao apagar figuras como Leopoldina, subestima sua capacidade de liderança e coragem em momentos críticos da ex-colônia portuguesa. A decisão de enviar a recomendação de independência a Dom Pedro, em meio à pressão de uma possível recolonização por Portugal, demonstrou seu senso de urgência e seu entendimento profundo da política internacional. Se a história fosse justa com ela, sua imagem seria associada ao protagonismo da independência, e não à figura passiva que muitas vezes é retratada nos livros didáticos.


O historiador Eduardo Bueno, em suas obras, faz um esforço notável para resgatar a figura de Leopoldina de sua invisibilidade histórica. Bueno nos convida a rever os relatos tradicionais e a reconhecer Leopoldina como a mente por trás da independência, ao lado de José Bonifácio, com quem ela construiu uma sólida aliança política e intelectual. Ele destaca que, sem a ação decidida da imperatriz naquele 2 de setembro de 1822, o rompimento com Portugal poderia ter sido postergado, ou até mesmo anulado.


Naquele 2 de setembro de 1822, Leopoldina estava como regente do Brasil devido a ausência de Dom Pedro, que estava em viagem a São Paulo. Nesta data, a imperatriz tomou uma decisão crucial para o processo de independência do país. Junto com o Conselho de Estado, ela assinou o documento que recomendava a Dom Pedro a ruptura definitiva com Portugal. Essa recomendação foi uma resposta às pressões políticas vindas de Portugal, que tentavam recolonizar o Brasil e limitar o poder de Dom Pedro.


A decisão de Leopoldina foi essencial para a formalização da independência do Brasil, que seria proclamada oficialmente em 7 de setembro de 1822, com o famoso Grito do Ipiranga, imortalizado na famosa tela de Pedro Américo, mais preocupado em retratar a figura de um suposto herói, usando uma paisagem fictícia para retratar a cena. Américo, aliás, plagiou o pintor francês Ernest Meissonier, que em sua célebre obra "1807, Friedland”, retrata Napoleão Bonaparte liderando suas tropas em uma batalha. Portanto, o dia 2 de setembro marcou um dos passos mais importantes na separação do Brasil de Portugal, com Leopoldina tomando a dianteira em um momento de grande pressão política.


A presença de Leopoldina no cenário político da época foi um dos pilares que sustentaram o projeto de independência do Brasil. Sua capacidade de articulação com figuras influentes, tanto dentro quanto fora do Brasil, e seu compromisso com a formação de uma nação independente, demonstram que ela não era apenas uma observadora dos eventos, mas sim uma protagonista. No entanto, o machismo estrutural que permeou (e ainda permeia) nossa sociedade preferiu destacar o papel masculino, relegando as mulheres ao segundo plano.


Esse ofuscamento histórico de Leopoldina é emblemático de como as contribuições femininas são tratadas. A ausência de sua figura nos manuais de história reflete uma recusa em reconhecer o poder e a influência que mulheres como ela exerceram. É hora de corrigir essa narrativa e dar a Leopoldina o lugar que lhe cabe, como uma das principais artífices da independência brasileira.


Se a independência do Brasil é, até hoje, celebrada como um marco do heroísmo de Dom Pedro I, o papel de Leopoldina nesse processo deveria ser exaltado com a mesma intensidade. A história não pode continuar a reproduzir o apagamento das mulheres de seus momentos decisivos. Leopoldina foi uma estrategista, uma política e uma governante em pleno exercício de sua capacidade, e sua importância precisa ser reconhecida sem os filtros do machismo que a relegaram ao papel de coadjuvante.



* Joel Elias é jornalista atuante na Amazônia.

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